Tenho uma relação singular com o trabalho da cantora Duffy. Quando ela surgiu com a canção Mercy, confesso que a minha reação inicial foi de rejeição (o que até me causou certa estranheza, porque tenho forte inclinação pelo pop britânico e adoro vozes anasaladas). Na minha apreciação, portanto, Duffy largou com desvantagem com relação a Amy Winehouse e Adele, duas outras cantoras made in UK surgidas na segunda metade dos anos 2000, que compartilham um apelo retrô tanto na levada musical quanto no estilo visual. Aconteceu, contudo, de estar um dia escutando rádio (o que nunca faço) e de me deparar com Stepping Stone. Coisa do destino! Foi paixão à primeira audição, mesmo que eu não tenha reconhecido, logo de cara, a intérprete. Imediatamente, corri para Internet imbuído de duas missões: primeiro, buscar o videoclipe correspondente no Youtube; em seguida, encomendar o álbum Rockferry (versão deluxe!). Não me arrependi de qualquer dessas ações.
Com relação ao clipe Stepping Stone, fui brindado com uma surpresa: a obra era assinada por uma das minhas realizadoras preferidas, Sophie Müller. Na sua longeva e ativa trajetória no campo do videoclipe, a diretora alcançou grandes momentos em parceria com outras mulheres igualmente interessantes (Annie Lennox, Björk, Sade, Gwen Stefani, Shakira e Lily Allen). Tendo a marca estilística da eficiente concisão narrativa de Müller e a convincente presença dramática de Duffy, esse vídeo musical reflete, de maneira primorosa, o desalento presente na canção.
Duffy está prestes a lançar o seu segundo disco, Endlessly. Na semana passada, tinha ouvido um trecho do primeiro single, Well Well Well, no blog de Perez Hilton. A canção não me empolgou e temi estar voltando à minha impressão inicial a respeito da artista, algo que não se concretizou, porque logo descobri o que me incomodava nesse caso: certa estridência do verso repetido “well well well”, a que me acostumei e que realmente não lançava sombra ao restante da canção. Melhor ainda, conheci hoje o videoclipe dirigido por Chris Cottam, que, a meu ver, ajuda a colocar Well Well Well em um patamar superior.
Patamar este que está refletido na própria situação e atitude da protagonista do clipe. Se, em Stepping Stone, Duffy coloca um ponto final na condição de capacho de um homem, mas ainda guarda certa dor de cotovelo; Well Well Well, por sua vez, é a virada, quando ela reafirma sua independência (“I’m not guilty of what you’re saying I do/ I’m not that cagey/ But I don’t need to explain”). E assim, no clipe, a cantora é cortejada, seguida insistentemente (por um modelo brasileiro, segundo o Mixbrasil), além de se mostrar capaz de induzir estilosos rapazes de um pub a segui-la numa divertida e descomplicada coreografia. No clima positivo e animado do videoclipe, é bem sucedido o reforço à imagem construída para e pela cantora: uma mistura de sensualidade natural e inocência não infantilóide, que faz clara referência aos bons tempos de Brigitte Bardot. Desse modo, a artista aparece, ao mesmo tempo, como alguém atraente e não ameaçadora, algo eficiente para equilibrar as expectativas de seus públicos feminino e masculino. Da minha parte, devo dizer: fui definitivamente conquistado por Duffy, uma girl next door com je ne sais quoi.
Hoje é meu aniversário. Faço 40 anos e venho assistindo a videoclipes há quase trinta deles. Para comemorar, resolvi listar alguns dos meus preferidos. Os motivos para a inclusão dos clipes nessa primeira lista do Videonista foram os mais variados desde o pertencimento à minha memória afetiva até a excepcional qualidade de alguns destes trabalhos. Aproveitem!
Ah sim! Notem que eu criei links para todos os videoclipes (nenhum trabalho adicional para meus leitores, portanto). Além disso, em algumas páginas oficiais, a data de copyright dos clipes pode diferir da data de produção/exibição que eu informo aqui.
Clássicos
Esses clipes me lembram tardes de domingo de tempos pré-MTV (no Brasil). Canais (abertos) de televisão concentravam a programação videoclípica nesse turno e era só mudar de canal para ver diversos programas especializados: Clip Clip, Clip Show e outros tantos dos quais nem lembro o nome. As tardes eram tensas, porque eu tinha que ficar a postos para gravar meus preferidos em VHS sem perder o início do clipe. Depois, era só rever obsessivamente. Foi assim que me deparei com o cantor inglês que se veste de mulher (assim foi descrito Boy George em apresentação chocada do Fantástico), com a energia de Cyndi Lauper (prova viva de que ser diferente não significa ser estranha ou fake) e com a polêmica de Madonna (condenada pela Pepsi e pelo Vaticano… quem mais desafiava, ao mesmo tempo, o capitalismo e a religião? rs). Além disso, havia um certo alento ao intuir sobre o que cantava o Pet Shop Boys (muitos anos antes de qualquer assunção – deles ou minha).
Essa lista é somente um aquecimento para uma postagem futura sobre a importância das coreografias videoclípicas. O diretor Spike Jonze, por exemplo, é um dos que mostra, eventualmente, um fascínio por este elemento. Não somente Björk (como podem ver abaixo), mas também o ator Christopher Walken já foram colocados por ele para dançar. Além disso, o próprio Jonze inventou um alter-ego coreógrafo/performer só para aparecer dançando em um dos seus clipes.
O mais bacana é que nem é necessário ter um domínio equivalente ao demonstrado por Madonna e sua trupe em Vogue ou pelos brilhantes (pré)adolescentes de Human, que foram estimulados a esquecer sua técnica para dançar esquisito (algo perfeitamente alcançado). Basta somente ter vontade e coragem para encarar até o ridículo, tornando-o tocante ou estimulante como nos clipes do Kings of Convenience e Moby.
Tendo em torno de cinco minutos de tempo disponível, os clipes podem não parecer os melhores veículos narrativos. Ainda bem que alguns realizadores insistem nesse caminho e o fazem com eficiência. Às vezes, é a utilização precisa da mise en scène que permite introduzir novidades e multiplicar desdobramentos na história, como na estrutura circular do clipe de Björk. Já no vídeo do duo The Chemical Brothers, a concisão narrativa vem da prontidão em definir a protagonista e seu entorno: com clareza, estão demarcadas sua posição de ginasta e todo o leque de preocupações envolvidas com o momento (preocupações familiares, a relação com a equipe esportiva e a “cara” da concorrência, uma antagonista oposta à heroína em aparência e atitude). Há ainda, na opção narrativa de Elektrobank, a originalidade de retirar um clipe para uma música eletrônica dos clichês de festa ou investimento abstrato.
A relevância de alguns clipes narrativos, por outro lado, decorre de sua capacidade de não se intimidar diante de temas sensíveis, como o da sexualidade e o preconceito. É o caso do trabalho da banda Sigur Rós aqui incluído. Há ainda os que apelam para sentimentos humanos bem básicos: como não se mobilizar, em Crystal Ball, com o desespero do personagem de Giovanni Ribisi ao não ser mais reconhecido pela família e colegas? Como não sentir um prazer catártico com a vingança bem aplicada de Lily Allen?
Basta assistir aos três primeiros clipes para entender. Um bando de gente bonita e/ou sexy, cardápio variado de possibilidades. Enfim, o melhor, na minha opinião, do Pet Shop Boys (visitantes felizes do mundo particular do fotógrafo Bruce Weber), de Madonna (na fase de levantar bandeiras libertárias… que saudade!) e de Kylie (como sempre e como poucas, super lânguida e muito bem acompanhada).
Para o último clipe, no entanto, o desejo de fazer parte dele tem motivação diferente. O extinto duo dinamarquês Junior Senior convocou fãs de todo o mundo para que mandassem gravações, dublando sua canção. Sonho realizado para alguns: o clipe é uma compilação da aparição daqueles com melhor desempenho, que são vistos entre presenças pontuais de Jesper “Junior” Mortensen e Jeppe “Senior” Laursen.
Esta simpática proposta é somente mais uma das alternativas abertas pela relação entre o campo do videoclipe e o avanço da Internet, algo que inclui: 1) a ampliação do espaço de exibição, 2) o consumo liberado da veiculação televisiva e programado individualmente pelo espectador, 3) a distribuição alargada e 4) novas estratégias de criação, incluindo fãs e novos realizadores. Nesse último ponto, vale lembrar a iniciativa de artistas consagrados (como Björk, Keane ou Pato Fu) ao estimular espectadores a conceber ou realizar clipes para suas canções (alguns deles, sendo inclusive tratados como a versão videoclípica oficial).
Só para relembrar que – como todo trabalho artístico –, os efeitos videoclípicos podem ser diversificados. Dentre eles, a condução emocional – mesmo contida, melancólica – pode estar entre os mais memoráveis.
Mais que um fã, sou um devoto de conceitos videoclípicos simples. Pena, por exemplo, que Michael Jackson não tenha ido mais fundo na versão clean orquestrada por Herb Ritts. No clipe, a construção de imagem do cantor parece-me muito bem resolvida. Eficientemente, o tom sépia estetiza sua almejada (mas nem sempre bem sucedida) aparência trans-étnica, sendo que, ao mesmo tempo, a realça pela comparação com a modelo Naomi Campbell. Além disso, temos ali a lembrança de sua condição de dançarino especial, mas sem qualquer exagero: um Michael Jackson à vontade.
Em outros casos, a simplicidade vem burilada pela parceria prolongada entre diretores e artistas musicais. Cumplíces, Sophie Müller e Annie Lennox discutem, dentre outras coisas, a artificialidade inerente ao artístico. O que seria melhor, como ilustração disso, do que acompanhar a transformação de Lennox na diva de Why? Duradouras também são as colaborações entre Madonna e os dois diretores aqui indicados, Mondino e Akerlund, que – cientes de sua atratividade na dança – investem em conceitos simples e/ou no despojamento de elementos.
Sem querer me alongar, resta sinalizar o quanto os clipes de Des’ree e do The Verve acertam em cheio no carisma dela e na atitude rebelde cool de Richard Aschcroft.
O clipe I Want to Go Home (analisado no post anterior) foi feito pela produtora francesa Hide Park, uma subsidiária da empresa de criação audiovisual Troisieme Oeil Productions. Estão à frente da Hide Park o diretor Christophe Charrier e o produtor Pierre-Antoine Capton. Como de hábito no campo de produção do videoclipe, a empresa não se dedica exclusivamente à realização de clipes, embora concentre sua atuação em formatos destinados à televisão (comerciais, documentários, making-ofs e programas, além dos vídeos musicais).
Além de I Want to Go Home, outro destaque videoclípico da Hide Park é My Eternity do cantor/instrumentista/ator Benjamin Siksou. Em 2008, o artista francês foi finalista do reality-show Nouvelle Star, o equivalente local do American Idol.
My Eternity é um veículo bastante apropriado para uma estrela francesa em ascensão. As influências musicais estadunidenses do soul, jazz e blues – tão apreciadas na França – são apresentadas como uma jam-session em torno do cantor, que, mesmo estilizada, quer nos lembrar da legitimidade musical do artista (cuja biografia indica uma dedicação precoce à música). Ao mesmo tempo, o clipe investe na boa pinta parisiense do jovem Benjamin, dando especial atenção para sua charmosa cicatriz no rosto. Cool!!
O videoclipe I Want to Go Home procuraampliar o tema de desencaixe presente na letra da canção. Para isso, a distância da figura amada e o conseqüente sentimento de inadequação ao entorno são retirados do contexto romântico e da cidade de Paris. Em sua singularidade de versos em inglês, o refrão oferece o mote principal para o clipe: Alex Beaupain repete o desejo de retornar ao lar, constata não ter mais para onde ir e, voilá, é mostrado vivendo em um asilo e participando plenamente da rotina de senhores e senhoras de terceira idade.
Investe-se, desse modo, em uma situação que, além de escapar aos lugares comuns dos clipes de amor, se passa em um ambiente passível de ser encontrado em diferentes países. A expressão emocional do cantor tem uma continuidade e está afinada com o desamparo dos velhos, que reflete o medo de terminar sozinho ou apenas afastado do que se foi ou se teve no passado. Por isso, é mesmo emocionante que eles assumam ocasionalmente a dublagem de trechos da canção, em que dizem “quero voltar pra casa” ou “certamente, você não me espera mais”.
Não é comum que a velhice seja tematizada nos videoclipes e, na minha opinião, I Want to Go Home faz isso de uma maneira não condescendente. A colocação de Beaupain entre idosos não pretende demarcar o quanto o artista é diferente deles; pelo contrário, sublinha que, eventualmente, todos podemos ter finais não ideais.
Adicionalmente, parece-me que o clipe faz referência ao recorrente sentimento de alheamento de mulheres e homens com relação às suas próprias conquistas. Em momento emblemático, Alex Beaupain canta “já passei por aqui (...) mesmo minha memória me deixa”, enquanto reconhece na TV um trecho do musical Les Chansons D’Amour (Christophe Honoré, 2007), para o qual ele compôs as canções. De certo modo, isso é tão melancólico quanto a velhinha que não consegue alcançar alguém pelo telefone ou o senhor que, sozinho em seu quarto, escreve até tudo ficar escuro demais.
O segundo clipe derivado de Night Work (álbum da banda Scissor Sisters) é colorido, animado, além de estar repleto de elementos e ocorrências. Um videoclipe par excellence, muitos diriam. Ainda assim, mesmo vendo e revendo Any Which Way com toda a boa vontade, o melhor que posso dizer a respeito dele é que se trata de um trabalho banal.
O punhado de idéias fragmentárias de Any Which Way parece perpassado de basicamente duas intenções: trabalhar com as cores (as primárias + o verde) e mostrar a interação dos artistas e coadjuvantes com diferentes elementos cênicos (alguns deles, objetos cotidianos em situação inusitada). Sinto falta, no entanto, de algo realmente capaz de aglutinar esse bem humorado exercício de nonsense.
Embora seja dada ao vocalista Jake Shears a oportunidade de fazer o que bem sabe – exibir sua desenvoltura e corpo trabalhado para a câmera –, os outros integrantes da banda poderiam ter uma participação de mais qualidade. Não dá para reconhecer – nem no guitarrista Del Marquis nem no multi-instrumentista Babydaddy – aquela habitual mistura de empolgação com uma pitada de divertido embaraço. Fica apenas a impressão de uma realização mecânica das instruções do diretor em tarefas como fingir tocar sob uma chuva de objetos plásticos, derrubar uma pilha de baldes ou atirar sushis com uma engenhoca.
Mais problemático ainda, é o fato de Ana Matronic ter pouco a fazer, mesmo aparecendo bastante no vídeo. A vocalista é, por exemplo, responsável por um marcante trecho na canção, que sintetiza a idéia de urgência sexual da letra: “possua-me do jeito que preferir/na frente da lareira/ na frente do seu iate/ na frente dos meus pais/eu não me importo, baby/ simplesmente, possua-me”. Isso, contudo, não é bem aproveitado no clipe; nesse ponto, Ana Matronic somente caminha para frente, com ares dramáticos, leque vermelho numa mão e uma espada. O olhar intenso para o espectador não resulta em algo mais sensual e ela logo aparecerá usando a espada contra sushis lançados em sua direção. Já perto do final, o clipe insiste assim em um registro lúdico disparatado: mais pueril e menos Scissor Sisters.
P.S.: Não vou desenvolver isso agora, mas recomendo uma comparação de Any Which Way com um exemplo videoclípico assemelhado, porém mais feliz nos resultados.
Can't Stop (Mark Romanek/Red Hot Chili Peppers, 2006)
Minha lembrança mais clara do trabalho de Ace Norton é Thinking About You, dirigido para a cantora Norah Jones em 2006. No entanto, sempre achei este videoclipe excessivamente tributário do estilo de Michel Gondry, lembrando especialmente Knives Out (2001) do Radiohead. Há, entre os vídeos, evidentes semelhanças: 1) no tipo de atmosfera fantasiosa construída, 2) na organização algo artesanal da passagem entre acontecimentos e dimensões videoclípicas e, até mesmo, 3) na recorrência a recursos cênicos específicos (vem à mente, por exemplo, elementos como o coração e o trem ).
Obviamente, o estabelecimento de interinfluências artísticas não é a priori problemático ou condenável. No campo do videoclipe, ainda persiste inclusive a expectativa de que o impacto de Gondry não deixe incólumes realizadores de gerações posteriores. Para Norton, haveria também uma motivação complementar para similaridades com o colega francês: o fato dele estar representado pela Partizan, a produtora que acolhe (como rei!) o estimado Gondry.
Mesmo entendendo isso, confesso que – por ter "descoberto" Norton pelo viés de uma pesquisa mais voltada à obra de Gondry – o diretor estadunidense acabou desaparecendo do meu radar. Por um tempo... (continua)
O casamento (aberto) com as artes plásticas é somente uma das várias facetas do videoclipe como forma artística com valor próprio e não apenas como veículo promocional. Que incautos apressados, de má fé ou pouco conhecimento costumem insistir nesse último ponto, só torna mais interessante apresentar a desejável permissividade criativa dos clipes com outros âmbitos artísticos.
Em I'm not perfect (but I'm perfect for you) (1986), Grace Jones reúne alguns amigos para dar depoimentos a seu respeito. Andy Warhol e Keith Haring – figuras seminais da pop art – estão entre aqueles convocados para dar um simples aval ou para ajudar a construir a perfeição da cantora jamaicana. O grafiteiro Haring aparece em plena atividade a pintar um amplo tecido, que se tornará a enorme saia de Grace Jones no final do clipe. Com essa singular peça de vestuário, completa-se, no videoclipe, a transformação final da artista em uma figura de poder pronta a arrebatar adoradores com seus tentáculos.
Assistir a este (e a outros clipes) da cantora serve ainda para colocar em perspectiva (sem desvalorizar, é claro) o trabalho "conceitual" de jovens artistas musicais. Antes de sair generosamente distribuindo títulos de vanguardista para jovens na casa dos 20 anos, vale conferir as fontes originais de certos visuais e atitudes, algo que, eventualmente, desembocará nas colaborações de Grace Jones com os artistas apontados ou com o fotógrafo, designer e diretor de clipes, Jean-Paul Goude, seu parceiro mais constante.
Shame é, em muitos níveis, um videoclipe tocante. Que a canção tematize uma reconciliação é somente o início de uma pequena jornada sentimental, envolvendo os cantores/compositores Gary Barlow e Robbie Williams. Neste dueto, é revisitado o estranhamento estabelecido entre os artistas desde a saída abrupta de Williams do grupo britânico Take That. Na letra da canção, imaturidade e falta de comunicação aparecem como as causas de uma distância criativa que, sabe-se, durou 15 anos. A partir desse dado, o clipe do diretor Vaughan Arnell opta – em seu propósito de acerto de contas – pela desconstrução dessas causas disruptivas originais. A não-comunicabilidade é superada por significativa interação entre os dois artistas: eles são, por exemplo, sempre vistos cantando um para o outro e não para o espectador (como costuma acontecer nos clipes). Além disso, parece haver uma intenção de sublinhar o abandono das “tolices” da juventude através da exibição dos semblantes de Barlow e Williams marcados pela passagem do tempo, algo bem distante da imagem pasteurizada que ostentavam como integrantes de boyband.
Melhor ainda, a intimidade renovada entre os artistas tem uma inspiração que mentes menos arejadas poderiam reputar como inusitada para artistas héteros: o filme gay Brokeback Mountain (Ang Lee, 2005). Estão, em Shame, a levada meio country da balada, a ambiência e vestuário ao estilo Americana, além da troca intensa de olhares em momentos-chave. Em respeito à variedade do público de Williams e Barlow, são deixados pontos em aberto para que o clipe possa ser visto tanto como a retomada de uma amizade (especialmente, sabendo-se das questões entre os cantores) quanto como um romance entre dois homens.
Professor universitário e jornalista entusiasta da cultura pop. Mestre e doutor em Comunicação e Cultura Contemporâneas. Desde a pós-graduação, investiga os videoclipes, abarcando:
(1) metodologias de análise audiovisual, (2) a construção de imagem no pop-rock, (3) a caracterização do campo de produção do videoclipe e (4) a autoria de artistas musicais e diretores nos clipes.