segunda-feira, 30 de agosto de 2010

Any Which Way (Ace Norton/Scissor Sisters, 2010)



O segundo clipe derivado de Night Work (álbum da banda Scissor Sisters) é colorido, animado, além de estar repleto de elementos e ocorrências. Um videoclipe par excellence, muitos diriam. Ainda assim, mesmo vendo e revendo Any Which Way com toda a boa vontade, o melhor que posso dizer a respeito dele é que se trata de um trabalho banal.

O punhado de idéias fragmentárias de Any Which Way parece perpassado de basicamente duas intenções: trabalhar com as cores (as primárias + o verde) e mostrar a interação dos artistas e coadjuvantes com diferentes elementos cênicos (alguns deles, objetos cotidianos em situação inusitada). Sinto falta, no entanto, de algo realmente capaz de aglutinar esse bem humorado exercício de nonsense.

Embora seja dada ao vocalista Jake Shears a oportunidade de fazer o que bem sabe – exibir sua desenvoltura e corpo trabalhado para a câmera –, os outros integrantes da banda poderiam ter uma participação de mais qualidade. Não dá para reconhecer – nem no guitarrista Del Marquis nem no multi-instrumentista Babydaddy – aquela habitual mistura de empolgação com uma pitada de divertido embaraço. Fica apenas a impressão de uma realização mecânica das instruções do diretor em tarefas como fingir tocar sob uma chuva de objetos plásticos, derrubar uma pilha de baldes ou atirar sushis com uma engenhoca.

Mais problemático ainda, é o fato de Ana Matronic ter pouco a fazer, mesmo aparecendo bastante no vídeo. A vocalista é, por exemplo, responsável por um marcante trecho na canção, que sintetiza a idéia de urgência sexual da letra: “possua-me do jeito que preferir/na frente da lareira/ na frente do seu iate/ na frente dos meus pais/eu não me importo, baby/ simplesmente, possua-me”. Isso, contudo, não é bem aproveitado no clipe; nesse ponto, Ana Matronic somente caminha para frente, com ares dramáticos, leque vermelho numa mão e uma espada. O olhar intenso para o espectador não resulta em algo mais sensual e ela logo aparecerá usando a espada contra sushis lançados em sua direção. Já perto do final, o clipe insiste assim em um registro lúdico disparatado: mais pueril e menos Scissor Sisters.

P.S.: Não vou desenvolver isso agora, mas recomendo uma comparação de Any Which Way com um exemplo videoclípico assemelhado, porém mais feliz nos resultados.
Can't Stop (Mark Romanek/Red Hot Chili Peppers, 2006)

sábado, 28 de agosto de 2010

Diretor: Ace Norton (1982- ) – parte 1

Minha lembrança mais clara do trabalho de Ace Norton é Thinking About You, dirigido para a cantora Norah Jones em 2006. No entanto, sempre achei este videoclipe excessivamente tributário do estilo de Michel Gondry, lembrando especialmente Knives Out (2001) do Radiohead. Há, entre os vídeos, evidentes semelhanças: 1) no tipo de atmosfera  fantasiosa construída,  2) na organização algo artesanal da passagem entre acontecimentos e dimensões videoclípicas e, até mesmo, 3) na recorrência a recursos cênicos específicos (vem à mente, por exemplo, elementos como o coração e o trem ).

Obviamente, o estabelecimento de interinfluências artísticas não é a priori problemático ou condenável. No campo do videoclipe, ainda persiste inclusive a expectativa de que o impacto de Gondry não deixe incólumes realizadores de gerações posteriores. Para Norton, haveria também uma motivação complementar para similaridades com o colega francês: o fato dele estar representado pela Partizan, a produtora que acolhe (como rei!) o estimado Gondry.

Mesmo entendendo isso, confesso que  por ter "descoberto" Norton pelo viés de uma pesquisa mais voltada à obra de Gondry – o diretor estadunidense acabou desaparecendo do meu radar. Por um tempo... (continua)

Knives Out (Michel Gondry/Radiohead, 2001):

Thinking About You (Ace Norton/Norah Jones, 2006):

Convidados ilustres: Andy Warhol e Keith Haring em I'm not perfect (but I'm perfect for you) de Grace Jones

O casamento (aberto) com as artes plásticas é somente uma das várias facetas do videoclipe como forma artística com valor próprio e não apenas como veículo promocional. Que incautos apressados, de má fé ou pouco conhecimento costumem insistir nesse último ponto, só torna mais interessante apresentar a desejável permissividade criativa dos clipes com outros âmbitos artísticos.

Em I'm not perfect (but I'm perfect for you) (1986), Grace Jones reúne alguns amigos para dar depoimentos a seu respeito. Andy Warhol e Keith Haring  figuras seminais da pop art  estão entre aqueles convocados para dar um simples aval ou para ajudar a construir a perfeição da cantora jamaicana. O grafiteiro Haring aparece em plena atividade a pintar um amplo tecido, que se tornará a enorme saia de Grace Jones no final do clipe. Com essa singular peça de vestuário, completa-se, no videoclipe, a transformação final da artista em uma figura de poder pronta a arrebatar adoradores com seus tentáculos.


Assistir a este (e a outros clipes) da cantora serve ainda para colocar em perspectiva (sem desvalorizar, é claro) o trabalho "conceitual" de jovens artistas musicais. Antes de sair generosamente distribuindo títulos de vanguardista para jovens na casa dos 20 anos, vale conferir as fontes originais de certos visuais e atitudes, algo que, eventualmente, desembocará nas colaborações de Grace Jones com os artistas apontados ou com o fotógrafo, designer e diretor de clipes, Jean-Paul Goude, seu parceiro mais constante.

I'm not perfect (but I'm perfect for you): 

Outros vídeos de Grace Jones:
http://www.youtube.com/theworldofgracejones



OBS: Sem informações seguras a respeito de quem seria o diretor desse videoclipe, fica a promessa de atualização futura desse dado.

sexta-feira, 27 de agosto de 2010

Uma nova chance: Shame (Vaughan Arnell/ Robbie Williams & Gary Barlow, 2010)

Shame é, em muitos níveis, um videoclipe tocante. Que a canção tematize uma reconciliação é somente o início de uma pequena jornada sentimental, envolvendo os cantores/compositores Gary Barlow e Robbie Williams. Neste dueto, é revisitado o estranhamento estabelecido entre os artistas desde a saída abrupta de Williams do grupo britânico Take That. Na letra da canção, imaturidade e falta de comunicação aparecem como as causas de uma distância criativa que, sabe-se, durou 15 anos. A partir desse dado, o clipe do diretor Vaughan Arnell opta – em seu propósito de acerto de contas – pela desconstrução dessas causas disruptivas originais. A não-comunicabilidade é superada por significativa interação entre os dois artistas: eles são, por exemplo, sempre vistos cantando um para o outro e não para o espectador (como costuma acontecer nos clipes). Além disso, parece haver uma intenção de sublinhar o abandono das “tolices” da juventude através da exibição dos semblantes de Barlow e Williams marcados pela passagem do tempo, algo bem distante da imagem pasteurizada que ostentavam como integrantes de boyband.

Melhor ainda, a intimidade renovada entre os artistas tem uma inspiração que mentes menos arejadas poderiam reputar como inusitada para artistas héteros: o filme gay Brokeback Mountain (Ang Lee, 2005). Estão, em Shame, a levada meio country da balada, a ambiência e vestuário ao estilo Americana, além da troca intensa de olhares em momentos-chave. Em respeito à variedade do público de Williams e Barlow, são deixados pontos em aberto para que o clipe possa ser visto tanto como a retomada de uma amizade (especialmente, sabendo-se das questões entre os cantores) quanto como um romance entre dois homens.

Para assistir ao videoclipe com mais qualidade: